Último suspiro
Restava tempo para uma despedida. Não muito tempo, mas restava. Era o ir
de uma mesma geração, um momento triste para quem ficava para trás. Inconsolado
estava o coração de Afonso que veio do mesmo ventre, cinco minutos depois.
Maria sucumbia àquela dor, afinal tinham sido oito, intensos, anos de relação.
Entre factos e boatos Maria nunca deixou de o amar, nem tão pouco de lutar ao
lado dele contra tamanha atrocidade da natureza. Levaram-no dela, por meses
esteve deitado naquela cama de hospital, a mesma que suportou o corpo mutilado
de seu avô e que o acompanhou até ao último suspiro. A mesma cama, os mesmos
lençóis esbatidos sobre um corpo fraco, nada mudava entre gerações quando se
tratava do momento do adeus. Era o momento do decidir, do ter certeza, do
desligar de uma vida que mesmo sem vida significava o mundo para alguém. Maria
perguntava "Tem certeza de que quer desligar? Prefiro-o aqui. Ainda espero
que abra os olhos, quero ver se hoje estarão em tom azulado. O dia está claro. Peço-lhe
que espere comigo, que acredite". Susteram-se respirações. Ninguém esperou,
a máquina desligou. O tempo, este já não restava.
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